A propósito de "Pontes de Mudança: Sociedades Sustentáveis e Solidárias" (e não só!): podem já ler "Ética Planetária para uma Era Planetária: Criatividade e Mutação Cultural" - um artigo publicado na revista brasileira Sina.

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Ética Planetária para uma Era Planetária: Criatividade e Mutação Cultural


“Pela primeira vez, na história humana, o universal tornou-se uma realidade concreta”, afirma Edgar Morin.

Esta é uma realidade que se sente no nosso dia-a-dia, nas comunicações via Internet, com as redes sociais, nos impactes e abrangência de questões ambientais e sociais sentidos (e pressentidos), nas notícias partilhadas, nas reacções organizadas.

É também o que defendem cientistas como Prigogine, que afirma em “A Nova Aliança”: “No momento em que, sem dúvida, pela primeira vez na nossa história, esta comunidade se refere explicitamente à Terra inteira, no momento em que, como se sabe, as nossas sociedades desestabilizadas se aproximam de um ponto de bifurcação, é bom que as ciências da natureza contribuam para lembrar esta verdade: contrariamente às sociedades animais, as sociedades humanas podem assumir as suas finalidades. O futuro não é dado”.

Nesta Era Planetária, em que orientação nos encontramos, do ponto de bifurcação que se desenha?

Cenários de um desafio radical

“Estamos mais perto do colapso do que do desenvolvimento sustentável. Se o curso do mundo continuar como se encontra actualmente, com o império do curto prazo a dominar as decisões individuais e colectivas, então será o naufrago da história e não a sua continuidade, com novo vigor, aquilo que o futuro nos reservará, com um elevado grau de certeza”, sintetizou o ecologista Viriato Soromenho-Marques no seu “Metamorfoses”.

É deste modo que a globalização actual nos remete para o desafio mais radical lançado à condição humana. Ante a perspectiva do colapso global, em que emerge uma crise radical e global da nossa identidade e da nossa capacidade de continuarmos a habitar a Terra, estamos obrigados a pensar e criar futuros, a assumir a nossa comunidade de destino, a repensar os princípios e os valores fundamentais que como civilização nos norteiam.

A actual crise planetária coloca-nos, assim, face a amplas e exigentes possibilidades de transformação.

Desenham-se dois cenários, conforme defende (também) Ervin Laszlo: um de viragem e outro de tragédia. Tragédia seria insistir na trajectória da mundialização económica, mais ou menos aperfeiçoada, da sociedade da ordem estabelecida. O capitalismo, geralmente, procura superar as situações caóticas mediante a intensificação da exploração, com a violência e pelo recurso à guerra. Outro cenário seria o da mutação através das viragens viáveis. Para a imperativa viragem global requere-se o desenvolvimento de “um novo modo de pensar, com novos valores e um novo estado de consciência”, defendeu Ervin Laszlo no seu “Virage Global”. A actual crise constitui, desde já, uma especial e grandiosa oportunidade para a invenção de um novo paradigma e de uma nova racionalidade para governo dos próximos progressos da Humanidade.

Fazem-se sentir, mais do que regulações novas, imprescindíveis e urgentes alternativas.

Ética Planetária

A transformação do mundo poderá encaminhar-se para a configuração de uma nova civilização nascida de uma racionalidade alternativa à moderna racionalidade de cariz mecanicista, de submissão da natureza e da natureza do homem, reorientadora para uma humanidade e para um planeta viáveis. A emergência dessa racionalidade, divergente da lógica ainda predominante, implica uma ruptura com o sistema actual de valores, com a visão do mundo e com os estilos de vida que lhe estão associados.

As transformações dos valores e do estado de consciência associam-se a uma muito maior e mais profunda percepção da responsabilidade face a todos os domínios da existência. O que (também) significa a adopção de uma Ética Planetária, de uma Ética da Responsabilidade por toda a biosfera, apta a nos inspirar uma praxis com incumbências na esfera pessoal, profissional e política na nossa existência. Implica novos registos comportamentais, uma mutação cultural, com transformação dos valores e das atitudes, das aspirações e dos costumes partilhados.

A Ética Planetária assim considerada, para uma época como a nossa, não pode ser confundida com a imposição de um determinado sistema ético, referente a uma doutrina do comportamento moral. Trata-se, mais precisamente, da necessidade de um “ethos”, não de uma doutrina ou de um sistema, mas muito mais de uma atitude básica e fundamental de um ser humano que influencia todo o agir.

Importa projectarmos um “ethos” que seja, realmente, expressão da globalização e da planetização da experiência humana, assentando sobre uma nova sensibilidade, o “pathos”, estruturador de uma nova plataforma civilizatória”, conforme defende Leonardo Boff no seu “Ethos Mundial”.

O modo como esse “ethos” básico deverá concretizar-se dependerá da diversidade e da pluralidade das culturas, dependerá dos diferentes projectos assumidos por cada povo. A partir do “ethos” da responsabilidade, a partir dessa Ética Planetária, com a marca das diferentes tradições humanas é que se poderão contextualizar as diferentes morais concretas.

Diversidade, criatividade e mutações

A diversidade de culturas, na sua interacção permitida por esta Era Planetária, parece-nos assim, a base necessária a novas formas de racionalidade, na sua emergente complexidade, da comunidade Terra.

Se pensarmos, como Edgar Morin, que “a cultura é, no seu princípio, a fonte geradora/regeneradora da complexidade das sociedades humanas”.

E que, como defende Ervin Laszlo, neste actual ponto de bifurcação são possíveis novas emergências. Abrangendo, estas, maiores níveis de organização e complexidade estrutural, outro grau de entropia específica, uso mais efectivo de informação e maior eficiência energética, maior dinamismo e autonomia, flexibilidade e criatividade.

Podemos avançar que, uma sociedade global, em que a diversidade cultural se cruza em interacção, é efectivamente possível um salto ao nível da complexidade e de organização.

Se pensarmos, ainda, na perspectiva sistémica oferecida por Niklas Luhmann, que teorizou a sociedade como um sistema autopoiético, ou seja auto-criador, de comunicação, confirmam-se estas perspectivas. Para este autor, a evolução da sociedade surge pela forma como a comunicação permite a evolução da quantidade e selecção de informação no interior do sistema social, a partir do exterior que o rodeia. Não nos podemos impedir, assim, de avançar que, com as novas formas de comunicação possível, pelas actuais tecnologias e partilha das diversidades culturais, se potenciam novas emergências, ao nível do sistema social, na sua complexidade.

E o que pode alimentar, de forma mais evidente, essa comunicação e diversidade, necessária à mutação cultural, à emergência de um novo paradigma racional, um novo pensar da natureza e da natureza humana, das suas interrelações, de um agir ético nesta Era Planetária, não será, desde logo, a criatividade dos indivíduos e grupos? Não será uma criatividade a potenciar pelas sociedades que as nossas formas de pensar e agir criam e recriam?

Sofia Vilarigues e Edgar Silva – Autores de “Pontes de Mudança: Sociedades Sustentáveis e Solidárias”